quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O “milagre” de Natal de 1886

Vai produzir-se agora um acontecimento de importância capital na vida de Teresa Martin. Em nada espectacular, pois, à excepção da sua irmã Celina, ninguém saberá.

Os factos são muito simples. No regresso da missa da meia-noite na catedral de São Pedro, o Sr. Martin, cansado, lamenta que o ritual dos sapatos na chaminé ainda exista para uma jovenzinha de quase catorze anos: "Enfim, ainda bem que é o último ano!. ..". O seu ouvido apurado entendeu-o. Brilham-lhe as lágrimas nos olhos ao subir as escadas para ir tirar o chapéu. Celina diz-lhe para não descer já.

Mas Teresa faz um grande esforço, retém as lágrimas, desce rapidamente as escadas para abrir os presentes ... O pai, tendo recuperado o bom humor, fica contente. Celina não acredita no que vê.

A graça tocou o coração de Teresa. "Num instante" recebe uma grande força interior. A fonte das suas lágrimas ficou estancada. Não é a mesma: a sua hipersensibilidade desapareceu. Eis que está transformada, forte, liberta das "fraldas da infância", já não adolescente, mas mulher. Está "revestida com as armas", preparada para todos os combates e, em primeiro lugar, para o que a vai empurrar a entrar no Carmelo o mais rapidamente possível.

Nove anos mais tarde, ao escrever o seu primeiro manuscrito autobiográfico, Teresa sintetizará o acontecimento do Natal de 1886. Para ela, trata-se de um "pequeno milagre", de uma "conversão", de uma "mudança admirável" entre a força de Deus que se faz pequeno no presépio e a debilidade da "pequena" Teresa que se faz forte. A graça litúrgica - e a eucarística, porque Teresa comungou na missa da meia-noite - transformou-a completamente (Ms A 45-46).

Teresa "cresceu". Teresa desejava-o vagamente, mantida, contudo, pela sua família numa espécie de atmosfera infantil: "A Celina queria continuar a tratar-me como um bebé, já que eu era a mais nova da família ...". Porém, as palavras do pai, repentinas, acabando com o ritual infantil, fazem-na sair de si mesma. Conversão duradoura que vai
inaugurar "o terceiro período da sua vida, o mais belo de todos, o mais repleto das graças do Céu ...". Agora, como ela diz, pode começar "uma corrida de gigante" (Sl18, 6).

Com notável lucidez, comprova que reencontrou a força da alma dos seus quatro anos e meio, perdida há dez anos, no momento da morte da sua mãe. Por fim,faz o duelo, assumido na paz. É uma graça de cura interior profunda, definitiva. Mas esta graça actua numa natureza que tem a sua história. A ferida psicológica não foi indelével. "Deus é a saúde da alma" (João da Cruz).

Um ano depois do texto do seu manuscrito, Teresa volta sobre esta "conversão" numa carta (Ct 201) ao P. Roulland, no dia 1 de Novembro de 1896. A síntese é perfeita: "A noite de Natal de 1886 foi, é verdade, decisiva para a minha vocação, mas para a designar mais claramente devo chamar-lhe: a noite da minha conversão. Nesta noite bendita da qual está escrito que ela ilumina as delícias do próprio Deus, Jesus que Se fazia criança por meu amor dignou-Se fazer-me sair das roupinhas e das imperfeições da infância, transformou-me de tal maneira que já não me reconhecia a mim mesma. Sem esta mudança teria ficado ainda muitos anos no mundo. Santa Teresa que dizia às suas filhas: "Quero que não sejais mulheres em nada, mas que em tudo igualeis os homens fortes", Santa Teresa não teria querido reconhecer-me como sua filha se o Senhor não me tivesse revestido da sua força divina, se Ele mesmo não me tivesse armado para a guerra".

Deste modo, foi salva "num instante" de uma incapacidade que durou dez anos. Agora sabe por experiência o que é a Misericórdia que a tirou de um abismo. Nunca mais o esquecerá e em todas as noites de Natal futuras, celebrará a sua "conversão".

Por fim, nas suas Últimas conversas, voltará ainda sobre este Natal de 1886, tão decisivo, para precisar que a graça divina não actua sem a liberdade humana: "Pensei hoje na minha vida passada, no acto de coragem que fiz naquela noite de Natal, e o louvor dirigido a Judite veio-me à memória: 'Agistes com uma coragem viril e o vosso coração fortaleceu-se'. Muitas almas dizem: Não tenho força para realizar esse sacrifício. Então que façam o que eu fiz: um grande esforço. Deus nunca recusa esta primeira graça que dá a coragem para agir; depois disso, o coração fortalece-se e vai de vitória em vitória" (UCR 8. 8. 3).

Assim termina a segunda parte da vida de Teresa Martin, segundo a divisão que ela própria faz: estes dez anos de sofrimentos, de lutas, mas também de graças de eleição. A criança, a adolescente viveu um caminho de purificações que a amadureceram e tornaram mais profunda. Tal incapacidade prolongada - dez anos! - cedeu a três curas sobrenaturais sucessivas para acabar numa libertação definitiva. Porque Teresa passou por esta experiência pessoal, sabe que foi salva, que deu um passo em frente, que a sua vida teria sido muito mal orientada se não tivessem existido estas distintas graças, das quais a mais eficaz foi a do Natal de 1886.
Compreende-se a razão pela qual o ano de 1887 será belíssimo para ela: ano de crescimento humano, intelectual, artístico e, sobretudo, espiritual. O ano da luta para entrar no Carmelo o mais rapidamente possível. Por outro lado, foi fixada a data de entrada: o Natal de 1887, aniversário da sua conversão.


Teresa de Lisieux
Vida ∙ Doutrina ∙ Ambiente
Direcção: CONRAD DE MEESTER ocd
Monte Carmelo - Edições Carmelo

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